"...no desalinho triste das minhas emoções confusas..."






27/08/2012

"Perfeição"

"Era uma tarde de terça-feira, e eu estava sentado em um pequeno café em Nice, a poucos metros da Fontaine des Tritons, expressando meus pensamentos em uma folha branca. Corria o lápis sobre o pedaço de papel, sem desenhar nada em particular. Não encontrava inspiração, mesmo no maravilhoso lugar em que me encontrava.
Após viajar o mundo por anos, o mais bonito dos lugares se torna apenas um entre milhares. Era difícil desenhar algo totalmente novo, que surpreendesse a mim mesmo, e isso é o importante para o artista. Meu esboço começava a tomar a forma de um deus grego, empunhando seu tridente. Apaguei o rascunho, pois já havia desenhado aquela mesma figura incontáveis vezes. Tomei um gole do meu café, sondando o lugar com os olhos, à procura do garçom. Naquele momento a vi pela primeira vez.
Sentou-se a poucos metros de distância, próxima da grade que delimitava a área do estabelecimento, mas era longe o suficiente para que pudesse admirá-la sem que fosse notado. Cruzou as pernas e falou alguma coisa ao atendente, mas o barulho ao meu redor impossibilitou-me de escutar.
Podia notar que não era francesa, mas não conseguia definir sua nacionalidade. Era uma mescla das melhores características dos mais diversos países. Seus longos cabelos eram levemente ondulados, e eram de uma cor negra como ébano. Os olhos, cor-de-avelã, tinham um ar frio, mas sofisticado. Sua pele era clara, sem marca alguma, e os lábios eram pintados de vermelho-sangue. Não sorria, apenas fitava o horizonte.
Era perfeita. Parecia ter sido arrancada de um filme noir e introduzida na vida real, para meu prazer. Destacava-se completamente da multidão, simplesmente por ser superior. Sua postura era a de uma mulher confiante, e seu olhar era profundo. Parecia arrogante, mas isso deixava-a apenas mais fascinante.
Comecei a desenhar, prestando atenção a cada detalhe, cada nuance do rosto, cada onda dos cabelos. Estava hipnotizado, completamente vidrado em cada movimento da desconhecida. Tirou um cigarro de um maço sobre a mesa e o acendeu. Fumava-o lentamente, deixando-o queimar por algum tempo antes de tragar novamente.
Olhei para a folha e vi o rascunho semi-pronto. A beleza da mulher fora reproduzida com maestria, mas seus encantos nunca poderiam ser completamente transferidos ao papel. Apesar deste detalhe, era meu primeiro desenho de alta qualidade em muito tempo. Começava a refinar os traços quando notei que ela havia pagado a conta. Puxou um papel da bolsa e escreveu rapidamente algumas curtas palavras. Desanimei quando se levantou.
Tomei mais um gole do café, fechando os olhos para saborear a bebida. Abri-os rapidamente quando senti uma mão sobre a minha. Era ela. Seu rosto estava a poucos centímetros do meu, e meu coração pulava dentro do meu peito. “Ótimo desenho”, disse em francês, com um leve sotaque estrangeiro. Rasgou a folha do pequeno bloco, dobrou-a e a guardou na bolsa. Ainda estava com o rosto próximo ao meu.
“Não quero representações minhas correndo pelo mundo sem minha permissão”. Puxou a minha mão e depositou um pedaço de papel em minha palma. “Espero que saiba pintar. Leve tudo o que precisar. Sete horas, hoje à noite. Não falte. Não se preocupe com a bebida, tenho o suficiente.” Afastou-se sem olhar para trás, saindo do café e sumindo entre a multidão.
Olhei para o papel em minha mão e vi o endereço de um hotel de luxo da cidade. Paguei o que devia ao restaurante e saí. Corri para minha casa e juntei tudo que precisaria. Produziria uma obra-prima esta noite. Havia encontrado minha musa."

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